28.2.08

é hora de me entender

Se disser que não da mais
Será que eu escuto ou só finjo escutar
Se quiser se jogar
Será que eu pulo ou só paro para olhar
Mas não fique assim eu falei demais
Ah, se eu pudesse eu tentaria mudar
Se quiser me acertar
A hora é essa eu não vou revidar

(moptop - moonrock)


bem, março chega e desta vez me recuso a expor o sorriso de minha cicatriz. tiro férias de mim, possivelmente, se tudo der certo, volto em abril. as duas ou três pessoas que carinhosamente me leêm, agradeço e peço paciência. ficarei sem acesso na casa nova, um pouco por vontade própria.

26.2.08

o que doia ficava sempre escondido

Parada na minha frente, um pouco mais transparente que antes, vejo tudo que passou. Cores aberrantes disfarçadas num cuidado em suas palavras não obscurecem seu humor novo. Está melhor que nunca, mas agora de nada adianta ter me alcançado neste meu repouso de ermitão, não acredito mais no convívio apaziguador de exércitos estrangeiros e, a propósito, nem em você. Muito menos em você, nisso continuo como um bebê num berço: o que me escapa aos olhos não existe mais.

Pus sal na ferida, quebrei meu ninho e pintei tudo de negro, agora, por favor, não disfarce cores aberrantes, os tons de vermelho já brilham sem minha permissão. A minha rouquidão é muito mais limpa e clara que água nascente de rio transbordando ódio e calma. Rejeito, aliás, como sempre, os louros de honra ao mérito, entrego-os aos loucos e mendigos no caminho. Nossa! Estão em todos os lugares. Conheço tudo ao seu respeito, não disfarce cores aberrantes: arco-íris mesquinhos também povoaram os meus sonhos secretos.

Não me venha dizer, ainda com um restinho de monóxido de carbono e outras não-sei-quantas-mil-substâncias-tóxicas saindo pela boca, que conhece bem os homens. Traumas familiares e teorias freudianas são proibidos de entrar aqui. Aponto o peito, outrora bateria de escola de samba ao ver-te; “treinado agora”, digo. Forçando os tons pasteis e seu caminho nostálgico ao que éramos, você dirige seus dedos longos e precisos à minha têmpora macia mas tensa. “Você é só um menino”. Esmurro a mesa com a sentença de um juiz terrível: “Isto é tudo”.

22.2.08

há sempre algo ausente...

foi quando consegui te ver medindo a temperatura de onde passava pois os cuidados tinham de ser precisos. quando te observei saber dizer o que eu nem podia. cantarolar baixinho tua melodia preferida de outro tempo. até adivinhar já o que viria de à um minuto ou 10 anos. ainda alí, onde o tempo nem dizia ao que vinha e nem se fazia notar, logo depois de saber o que queria, era para eu ter pressentido, mesmo sabendo que das ciências exatas levamos apenas o benefício da dúvida, que toda aquela hora bonita se transformaria em segundos hostis.

20.2.08

mal nenhum...

Enquanto a chuva cai, ela vai. Parecia que não tinha mundo atrás. Sem ter pra onde voltar. Nunca seria o mesmo, já sabia. Se o céu demonstrasse-se límpido e esclarecedor, eu teria desconfianças pois as tardes acabavam mal e os números eram irracionais. Tudo ruindo. Tudo parecendo querer escapulir, a cabeça sacudindo-se em frangalhos. Desfazendo-se, visão turva, tão confuso. As cores, só podia ser mentira, nem era outono, o que essas folhas fazem pelo chão. Asfalto molhado, negro. Eu descia e fazia as coisas parecerem fazer sentido, trabalho de sísifo demais pra mim, desculpe por não suportar. Enquanto a chuva vinha ela ia. E talvez não tenha sido culpa minha errar.

eu passei daqui. Sempre me assustou a fraqueza da linha. Sempre querendo preservá-la e agora estou em extinção aqui.

17.2.08

para júlio e martha...

Júlio e Martha insistiam com força em forrar com cuidados aquele caminho que me restava trilhar, não sabiam a poderosa sugestão pela qual estava sendo tomado. Poderia assustá-los a calma da minha profunda decisão. Mas foram os trovões liberados por aquela candura infinita dos olhos de Júlio que me deram este momentâneo e, curiosamente, perene desespero de hoje, como um maldito carro que sempre cruza as mesmas esquinas porque sempre existirão esquinas e carros e estes sempre serão as mesmas coisas. Nunca nos levando aonde importa. E onde é isto, que, mesmo se alguém quisesse levar não saberia? Ah! eu juro, levaria tantos quanto pudesse e ainda assim não me livraria de nem um miligrama deste peso que carrego, pois sempre doeria os que não puderam ser levados.


"as despedidas e o suicídio perdem sua dignidade quando repetidos."
jorge luis borges em "história da eternidade".

12.2.08

o lugar ideal pra perder alguém ou para perder-se de si próprio.

como é que eu vou dizer isto? sinto os meus poderes aumentarem...sinto meus poderes aumentarem...estou ardendo, bêbado de um novo vinho. sinto a coragem, o ímpeto de ir ao mundo, de carregar a dor da terra, o prazer da terra, de lutar contra as tempestades, de enfrentar a ira do trovão...enfrentar a ira do trovão. nuvens se ajuntam sobre mim, a lua esconde sua luz, a lâmpada se apaga! a lâmpada se apaga...devo levantar...devo levantar...eu não era nada, e aquilo me bastava. agora não quero mais a parte, eu quero toda a vida.


trecho de "fausto", de goeth, lido por paco, herói trágico do filme "terra estrangeira", de walter salles. meu filme nacional preferido.


6.2.08

via das dúvidas

-lembro do que meu avô falou pra mim enquanto via a mulher de toda sua vida afundar-se em uma cova e segurava escondido na mão o lenço que ela o fizera assim que se encontraram pela primeira vez numa bica d’água que abastecia toda uma região lá de onde moravam num distante ano de 1929: “O amor, filho: Isso um dia ainda vai te matar”. Abaixou-se, beijo-me a testa, e deu as costas pra ela pela última vez. Lembro do olhar do psicanalista ainda hoje quando repito essa frase.

Tão doces as mãos de Duda, fininhos os dedos, longos, elegantes, carinho tão generoso. Acarinhava meus cabelos enquanto ouvia minhas bobagens. Entregava-me prêmios que não caberiam em estantes. Em nada parecia ter julgamento imposto, palavras cuidadosas. Era ferido, era ferida, mas não negava-se as palavras. O resultado era sempre o mesmo: reação carinhosa e diferente. Era o que importava.

E mesmo depois de ter-lhe dito tão pesadamente sobre as costas um trauma de infância compartilhado, ela pegava-me bem perto e me acarinhava. Era definitivamente diferente. Nada nunca mais foi dito sobre isso; e essa foi a única coisa não resolvida entre nós. Sabíamos que carregávamos aquilo, e que se fosse pra ser daquele jeito: “que não seja com você”. Era uma espécie de acordo velado. Por que não fui achar isso uma bobagem antes? É o que chamam apanhar da vida.