6.2.08

via das dúvidas

-lembro do que meu avô falou pra mim enquanto via a mulher de toda sua vida afundar-se em uma cova e segurava escondido na mão o lenço que ela o fizera assim que se encontraram pela primeira vez numa bica d’água que abastecia toda uma região lá de onde moravam num distante ano de 1929: “O amor, filho: Isso um dia ainda vai te matar”. Abaixou-se, beijo-me a testa, e deu as costas pra ela pela última vez. Lembro do olhar do psicanalista ainda hoje quando repito essa frase.

Tão doces as mãos de Duda, fininhos os dedos, longos, elegantes, carinho tão generoso. Acarinhava meus cabelos enquanto ouvia minhas bobagens. Entregava-me prêmios que não caberiam em estantes. Em nada parecia ter julgamento imposto, palavras cuidadosas. Era ferido, era ferida, mas não negava-se as palavras. O resultado era sempre o mesmo: reação carinhosa e diferente. Era o que importava.

E mesmo depois de ter-lhe dito tão pesadamente sobre as costas um trauma de infância compartilhado, ela pegava-me bem perto e me acarinhava. Era definitivamente diferente. Nada nunca mais foi dito sobre isso; e essa foi a única coisa não resolvida entre nós. Sabíamos que carregávamos aquilo, e que se fosse pra ser daquele jeito: “que não seja com você”. Era uma espécie de acordo velado. Por que não fui achar isso uma bobagem antes? É o que chamam apanhar da vida.

2 comentários:

Anônimo disse...

deve doer.
ou deveria.

bonito isso. tão intimo, singelo, absurdamente verdadeiro.

parabéns querido!

apanhe da vida. mas apanhe vida junto.

moriarty disse...

A vida é um soco no estômago!