21.10.07

não estou...

Eu te contei mentiras que convenceriam o papa. Você nunca notou que nunca menti. Você apenas nadou no rio intransitável, braçadas para todos os lados. Sem botes salva vidas, sem botes salva vidas. Você quis demais de mim, nem para todo mal há cura. Eu me contentei em fingir mentir, eu me contentei com uma imensa chuva de fogos. A cachoeira reprimia teus gemidos, a cachoeira nunca foi verdadeiramente minha amiga, sempre quis me namorar. Sem amigos salva vidas, sem amigos salva vidas. Você apenas viu como eu ia e voltava ao inferno com minha guitarra mal tocada, apenas assistia confortavelmente com pipocas em seu sofá. Nunca foi fácil convencer o mundo a ser melhor, nunca foi fácil mentir pra você quando este coração estava em frangalhos. Sem caminhos alternativos de vida ou de morte, estaria melhor em outra, estaria melhor morto. Você andou de um lado para o outro, eu nem sabia que se tratava de uma estratégia de fuga. As portas sempre estiveram abertas, eu nunca menti olhando em seus olhos, esta sempre foi minha maior fraqueza, me desculpe ter dito a verdade.

16.10.07

minha pequena isadora

isadora é nova, carrega no peito dores de outrora. encontrei-a pela primeira vez num
passeio público, a distorcer realidades e encantar tragédias.

longos abraços de isadora, braços de ternura insuspeita, de apocalipses que nunca
aconteceriam. ah, isadora, quantas rainhas destronadas não fostes para mim? tu
nem suspeitas o carinho incontido que carrego nesse peito amargo, o otimismo que
nega minha inteligência sempre que procuro as razões de teu bem querer. minhas rimas
imprecisas que estampam meu mal estar e que cantam tua beleza. ah, isadora, não te
vás assim, tão pequena, que muito mais anárquico que bakunim são os sentimentos, não
se pode galopa-los. não renegue teu colo febril à minha têmpora macia mas tensa. que
daqui a mil anos seremos todos inúteis como agora, e de tábua de salvação eu abro mão
de meu quinhão.

agora mesmo, enquanto me decido pela dúvida, ela sorri com seus olhinhos pra mim.
isadora ainda tem certezas nessa terra desesperada, e tenta me ensinar uma oração.
ah isadora, tu então não sabes? como te explicarei meu ocaso?
deixo pra depois. fatalidades que minha vida tece.

11.10.07

sobre madrugadas e vinganças.

Continuava andando pelas ruas desertas daquela cidade de interior, a madrugada é uma boa conselheira, ou melhor, ouvinte. Era assim desde tempos remotos, perambulava pelas ruas falando baixinho o que me atordoava. A quem notava, parecia um louco, não raro percebia os risos contidos à distância. Nem me importava. Mas essa era uma das razões para preferir as madrugadas e seus segredos. As ruas desertas e seus alaúdes de melancolia desperdiçados. Júlio me dizia: “O que você tem de errado é esse teu desejo, que nem você aceita, de vingança. A vingança é preguiçosa. Sempre deixa pra amanhã o que pode fazer hoje, e dessa forma, vai corroendo a armadura de silêncio”. Sei lá onde esse jeca sem vergonha aprendeu essas coisas, mas sempre me acertava no estômago. Eu sempre o acompanhava no boteco que ficava nos arredores da cidade, perto da roça mesmo, onde os roceiros iam, pra voltar, tarde da noite, não tínhamos outra alternativa que não vir a pé. Isso nos aproximou demais. Ficávamos, naqueles passos tortos, trocando idéias sobre dores supostas e dores verdadeiras, sempre embaralhadas, para que sua saída não fosse dificultada. Ele ria quando falava do meu desejo de voltar pro Rio, quando lhe contava histórias de como eu arruinava tudo que tocava, ele ria, me dizendo algo que Duda sempre falava: “Você se acha pior do que é. E eu não sei se isso é uma virtude ou um defeito”. Eu também não sabia. Não sabia o que queria e o que devia fazer. É sempre difícil encontrar um jeito de negar algo que nos move, é sempre difícil encontrar, principalmente, algo que nos mova. Esse era realmente o problema. Aquele que sequer conseguia admitir a mim mesmo.