4.1.08

sobre como conheci júlio...

E então ele atropelava as palavras de pouco sentido para mim e para a situação e sempre, como vírgula, dizia: “sim”, “sim”, “sim”. E ao me ver perplexo, e talvez mesmo querendo isto, continuava mais aceleradamente, e tua boca ia tomando, junto com a fumaça, umas formas curiosas e eu ia me entregando sôfrega e insistentemente à bebida e o seu gesticular parecia querer me conduzir a um estado de entrega e tudo em volta acabava se parecendo demais com o que ele ia dizendo, recebendo uma tonalidade curiosa de música e cada vez mais pessoas pareciam compartilhar daquele meu transe e nada se parecia com a história do mundo e ciente do muro que tombava em mim ele foi devolvendo-me à realidade, diminuindo a velocidade e o ritmo da serpente esfumaçada que lhe saía da boca e devolvendo os tons cinza de nossa cidade (que é nenhuma), aquilo foi como um parto e senti toda a solidão e desespero dos expulsos do útero e lágrimas senti já com alguma vergonha e procurando uma saída honrosa aticei minha gastrite (ou será úlcera?) com um longo gole naquela bebida quente e o correto era eu dar-lhe um corretivo por me fazer em frangalhos na frente de tantos amigos mas apertei a mão com força na sua e falei que aquela não deixava de ser uma experiência literária única e que da próxima vez, ao menos, me auxiliasse no retorno e ele disse sim.

2 comentários:

Anônimo disse...

pra quem duela com o cotidiano você até o descreve harmoniosamente bem.

detalhes com esta riqueza merecem muita coisa.

Anônimo disse...

Gosto quando poetizam o cotidiano!