27.12.07

"Os Improváveis"

Acabava de fazer um cálculo para confirmar uma conta do computador, embora nem fosse perfeccionista, gostava de levar um trabalho importante pra frente só com certeza de ter feito corretamente. O telefone toca, atendo enquanto levo o cd ao computador para gravar o trabalho, era Duda, dizendo-me da reunião da banda que seria lá em casa, na qual ela diria que estava dando o fora, e se eu não podia trazer um vinho para tomarmos depois que ela estivesse arrasada. Era curiosa a relação emocional que ela tinha com tudo aquilo, depositara muito de si naquelas letras angustiadas de adolescente sabida. O curioso era que agora não se sentia mais assim. Queria ser aquela garota até o fim, mas querer ser aquela garota já era um esforço que descaracterizava o mérito. Precisava dizer-lhes isso. Na cara. Como aquela garota faria caso crescesse. Não sabia ao certo o que dizer. Sabia que se machucaria e depois ficaria arrasada. Sabia que era inevitável. Os amigos da banda, na verdade apenas próximos como bons amigos deveriam ser, eram os dois rapazes esquisitos e as duas meninas bonitas. Chamavam-se “Os Improváveis”. Ela gostava muito do que chamava de influência sombria do som de Seatle, referindo-se ao som do nirvana misturado com o do Jimi Hendrix, mas que parecia mesmo com um Joy Division mais pesado. Assim que o back up é feito, levanto da minha mesa de trabalho, desço o prédio, ando na rua mais movimentada daquela cidade frenética, nem me reconhecia mais, entro na primeira loja e compro o vinho mais caro que a minha carteira podia comprar.
Já podia sentir seus olhos tristes abaixando enquanto confessava dores insuspeitas para mim, não queria ser abraçada enquanto dissesse, ela dizia que aquilo a continha e que era importante que a correnteza seguisse seu fluxo mais de descontrole que de razão. Expulsava tudo que a incomodasse, aquilo às vezes era uma sinceridade algo desconcertante. Mas acostumara-me à verdade desde cedo. Ela sentia uma espécie de culpa por não mais se sentir sincera com eles da banda. Dizia-me que algo nela mudara, embora não conseguisse ainda determinar, e aquilo que acabara de crescer, ou diminuir nela, agora era incompatível. Sentia-se, na verdade, mais improvável que nunca, era quase impossível.

2 comentários:

moriarty disse...

Isso tudo é autobiografico?

às vezes eu me sinto assim, sem saber quem sou, sabe?

Anônimo disse...

é... eu entendo.

deve ser muito difícil ser várias pessoas em um mesmo dia.
as opniões drasticamente diferentes.

gostei da descrição!
vc é bacana.
bacana é bom.