23.12.07

subterfúgio da memória

Um homem é provocado no meio de outros, ao saber por que não é nenhum dos outros.
Deitado no leito, ao pé de uma mulher que ele ama, esquece que não sabe a razão por que é ele mesmo, em vez do corpo em que toca.
Sofre, sem saber, com a escuridão da inteligência que o impede de gritar que ele mesmo é a mulher já esquecida da presença dele mas excitada no aperto dos seus braços.(...)
Esta mulher inerte e ausente, pendurada nos meus braços sem sonhar, não me é mais estranha do que a porta ou a janela por onde vejo e passo.
Quando adormeço, incapaz de amar aquilo que acontece, recupero a indiferença (que lhe permite deixar-me).
Nos meus braços é impossível que ela saiba quem encontra, pois fabrica, obstinada, um esquecimento total.
Os sistemas planetários a rodar no espaço, como discos cujo centro se desloca a toda velocidade para descrever um círculo infinitamente maior, afastam-se da posição que tinham para regressar a ela quando a rotação acaba.
O movimento é figura do amor, incapaz de estacionar neste ou naquele ser para passar, com rapidez, de um ser a outro.
E o esquecimento que vai condicioná-lo não é mais que subterfúgio da memória.


Georges Bataille. O Ânus Solar

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