2.4.07

Manifesto de auto-depreciação I

havia demorado meia vida construindo aquele muro de contenção. conter a natureza humana transbordante. meia vida envolto a cálculos, réguas, trenas e materiais de toda espécie. meia vida entregue a uma tarefa extenuante, suor e lágrimas, sacrifícios de toda espécie. destruindo todo o resto em volta pela obsessiva vontade de pôr fim à empreitada. meia vida. sobrou muito pouco de tudo. sobrou muito pouco. aqueles anos dedicados aos estudos: peso morto. os dois únicos relacionamentos que tive agora me machucam os pés quando ando sobre suas ruinas. nem rancor sobrou e isto incomoda. a matéria orgânica putrefada daquele muro coloriu-se com a resignação. forte o muro. a maré irrompe violentamente toda noite contra ele e eu, estagnado, não sei por quem torcer. a corda esticada um dia arrebenta e, segundo dizem, no lado mais fraco. a natureza humana transbordante não dá treguas, os armitícios são sempre fictícios, são sempre um embuste, sempre uma armadilha, uma arma.

post de 1-11-06

4 comentários:

peka disse...

Quanto mais a matéria humana transborda, menos nos aceitamos, mais reclamamos... Quem dera sermos suficientemente materialistas para nos encaixarmos nessa sociedade... A ignorança é uma bença!!!
"Hj a noite vou sair, assumir a paz que minha dor quer"...
Esse teu texto é lindo... um dos mais bonitos que já li... só perde pro primeiro que tu escreveu no blog sobre Isadora, sempre volto lá pra reler... Beijos!!!

Ana M disse...

hoje pensei: não existem brechas. Karl Marx estava certo. lendo vc, fui de encontro a mim. não existem tréguas também.

já transbordei e não achei nenhum continente pra mim. dizia que meu amor era a água em excesso que, no copo de pinga, esparramva. ia além dos parcos limites que me deram pra viver. aí, fiquei toda esparramada pela mesa, pela pia, pela cozinha.. só maldizendo o copo pequeno, o pedaço pouco. tive que ir me catando, aos poucos. às vezes, ainda dói. um pouquinho só, mas dói.

acho acabei de viajar. mas as palavras foram saindo, assim... acho transbordei de novo. tive uma época na qual vivia com a convicção de ser boderline; e ficava enumerando os meus sintomas no livro de diagnósticos. hoje tenho outras convicções. uma delas é que, às vezes, é tão díficil entendermos a nós mesmos, que acabamos pedindo ao outro que nos diga que somos.

acho me estendi. e o pior: ainda tenho o que dizer.

bisou

Anônimo disse...

Você se torna mais um, como eu, e como todos os depreciadores, que constroem. E arrebentam. A natureza humana é mesmo impiedosa.

Você escreve muito bem! Sou capaz de lê-lo de pé ou sentado, do jeito que der em minha telha eu te compreendo. Você é claro com as palavras. Gosto disso!
Abraço!

Anônimo disse...

já me identifiquei logo com o título do post, e essa auto-descrição do perfil é PERFEITA.
tô assi: O_______________O

tu escreve coisas fodas.

:**