1.11.06

Manifesto de auto-depreciação I

Havia demorado meia vida construindo aquele muro de contenção. Conter a natureza humana transbordante. Meia vida envolto a cálculos, réguas, trenas e materiais de toda espécie. Meia vida entregue a uma tarefa extenuante, suor e lágrimas, sacrifícios de toda espécie. Destruindo todo o resto em volta pela obsessiva vontade de pôr fim à empreitada. Meia vida. Sobrou muito pouco de tudo. Sobrou muito pouco. Aqueles anos dedicados aos estudos: peso morto. Os dois únicos relacionamentos que tive agora me machucam os pés quando ando sobre suas ruinas. Nem rancor sobrou e isto incomoda. A matéria orgânica putrefada daquele muro coloriu-se com a resignação. Forte o muro. A maré irrompe violentamente toda noite contra ele e eu, estagnado, não sei por quem torcer. A corda esticada um dia arrebenta e, segundo dizem, no lado mais fraco. A natureza humana transbordante não dá treguas, os armitícios são sempre fictícios, são sempre um embuste, sempre uma armadilha, uma arma.

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