26.4.08

thiago versus cotidiano

Entrada confusa, parece estar se dirigindo ao lugar errado, é isso que sente. Tem realmente o que ensinar e isso envolve uma crítica pesada demais ao estilo de vida levado por todos. Nem todos, pensa pra si mesmo, gostariam ou estariam preparados para um visão mais larga das coisas. A complexidade aumentou ao um grau tão imenso de aleatoriedade que parece não ter mais sentido nenhum, e o pior, todos estão se deixando ser levados. Sem focos de resistência, sem brigadas vermelhas. O socialismo era ao menos um termômetro, variava a o valor mas tínhamos ali um parâmetro. Eu sinceramente não sei como as coisas chegaram a esse ponto. Não saberia explicar.
A sala o olha. Era dado a esses acessos meio incompreensíveis. Ficava um pouco perdido. Duda chamava de “pequena ausência”, os alunos, de esquisitice mesmo.

-por favor, abram o caderno, livro ou qualquer outra dessas coisas que vocês escrevem, e listem cinco heróis nacionais.
-como assim, professor?
-papel, caneta e você. Você pensa em cinco pessoas dessas importantes que aprendemos os nomes e as datas de mortes ou coisa que o valha quando somos crianças ou nem tão criança assim. Sacou?
-e depois? Tem sempre um depois, né?
-você é mesmo muito esperto, Carlos. Depois, encarecidamente, escrevam o que souberem sobre esses caras e o por quê de vocês considerarem-nos heróis. Beleza? Parece difícil? Vocês estarão fazendo um grande favor pra mim.
-ainda não entendi, professor.

Do fundo da sala, a pequena e zarolha e espertíssima Martha, com suas sardas pulando da face como peixes naquelas pororocas amazônicas, levanta o dedo e uma postura levemente arrogante para uma pequena tão desprivilegiada de arrogância.

-tudo bem, Martha. Na realidade é um trabalho um pouco difícil e ninguém está querendo assumir isso de cara. Mas vamos pensar só um pouco sobre isso juntos. Ok?

Martha balança a cabeça afirmativamente. Dizia que odiava a matéria para manter a fama de má, de rebelde adolescente, mas sabia toda a matéria e era a melhor aluna da classe, o que invariavelmente era negado em suas avaliações. Auto sabotadora das boas.

-bem. Quando fui criança... Engraçado que durante muito tempo na minha infância nunca parei pra pensar que talvez os meus professores também tenham tido infância, mas este é um outro papo. Quando fui criança, tive contato com alguns cavalheiros e nobres senhoras que eram chamados de heróis nacionais. Figuras tão importantes que tiveram seus nomes inseridos nos livros com os quais nos educavam. Alguém pode citar pelo menos um desses cavalheiros que acabo de me referir?
-Tiradentes.
-boa, Otto. E alguém sabe o nome de alguma mulher dessas?
-aquela da lei dos escravos...
-aquela princesa?
-isso mesmo.
-esqueci do nome. Poderia me lembrar, Marcos?
-Princesa Isabel.
-isso. Até aqui alguma dificuldade?

A turma parece consentir. Alguns pegam o caderno, outros levantam o olhar concentrado a algum ponto inexplorado da sala. O professor senta-se e continua o fluxo de pensamento que o trouxera tão confuso à sala de aula. Parece que recompôs o foco. Dar aula dá-lhe foco. Parece algo que ele se sente importante fazendo. Talvez a única coisa.
Martha, do fundo da sala, pergunta qual a explicação pro Brasil não ter nem um herói recente. Atropela a pergunta com a frase: “e teu, professor? Diga o nome de um herói teu?”. O professor explica que aquela resposta dele exigiria uma explicação que ela ainda não estava pronta para entender e se ela se importa em ter apenas um nome quando isso na verdade poderia não significar nada. Ela diz que não se importa. “talvez eu já tenha ouvido falar”. O professor sente-se culpado por tê-la subestimado tão sumariamente e diz:

-Fidel.
-de onde ele é?
-De Cuba. Um barbudão fardado.
-pensei já ter ouvido você falar algo sobre pessoas fardadas e não terem sido comentários bons.
-Martha. Você é muito mais inteligente do que suspeita. Sim. Não costumo fazer muitos comentários elogiosos a pessoas fardadas. Nós chamamos isso que eu acabei de fazer, e só você notou, de incoerência. Quando dizemos uma coisa e nos comportamos ou fazemos de outro modo. Sabe um buraco numa estrada. Essa incoerência tá mais para um buraco negro. Mas como disse antes, pra te explicar isso precisaria de mais tempo do que realmente disponho hoje. Se por acaso você quiser saber algo mais sobre isso, faça uma pequena pesquisa, me entregue, e este será o seu trabalho do bimestre. Eu com certeza adorarei conversar contigo sobre esse tema em outra ocasião se você ainda quiser.
-tá.

Achava incrível a capacidade deles de encerrarem pensamentos em frases tão curtas quanto “tá”. Mas era um desafio que deveria enfrentar sem fazer julgamentos precipitados.

-hoje não tem explicação?

Pergunta o figura da sala, Nilo, muito tamanho em pouca concentração de movimentos. Resultado era que atropelava os outros, falava alto, esbarrava nas cadeiras quando passava, era o mostro do Doutor Frankestein, pobrezinho, monstrualizado pelos próximos. Era também chegado a fazer comentários constrangedores envolvendo mulheres em shorts curtos, sobre violência e algumas outras coisas incategorizáveis.

-não tem... não tem explicação.

15.4.08

sempre começo o que acaba comigo

sempre mudo para aquilo que eu já era. sempre procuro abrigos no meio de uma área deserta. sempre corro perigos dos quais não preciso. sempre começo o que acaba comigo. sempre questiono uma verdade aberta. sempre acredito na mentira da vespera. sempre ignoro todos os avisos. sempre começo o que acaba comigo. sempre me perco onde me acho perdido. sempre admito o erro escondido. sempre desconsidero o grito dos mitos. sempre nego o que eu mesmo acredito. sempre me engasgo num grito impossível. sempre começo o que acaba comigo.