17.9.08

duas da manhã

As duas da manhã, Isadora era a única que conseguiu supor meus limites e o cansaço de alguém desistindo de segurar o peso do mundo sobre as frágeis costas. Mas ela me apresentava uma alternativa ao descaso, estupidez e incompreensão humanas. Ela era o farol que iluminava a rota dos barcos perdidos, sem rumo e à deriva. Ela era uma faroleira inexata das rotas constantes. Viver era a única constante. A vida era a única coisa que não se podia descuidar.
As duas da manhã ela me abraça com suas pernas de entregas incondicionais, eu repetia seu nome para ter certeza que ela existia. Isadora. Isadora. Pra onde você vai? Se ao menos tanta coisa que vivia na cidade não evaporasse assim, tão sem indícios, agora que estou diante dela nesta cama improvisada, poderia até cogitar voltar a viver como vivia. Todas as drogas, ausência de limites, bebidas e amores poderiam levar homens bons à ruína, mas nunca a voracidade e o hedonismo envergonhado dos habitantes da cidade conseguiram transpor as barreiras de minha dignidade genética. A força que carregava do mundo anterior ainda brilhava suas tímidas e moribundas chamas em mim. Isadora era única pessoa daquele Império das Possibilidades que parecia acompanhar meus cacoetes de mundos perdidos.
As duas da manhã a pergunto quantas rainhas destronadas já foste. Ela sabia do que falava. Eu sabia do que ela aprendeu. Ela ajeita-se, apenas uma menina, nua, sob a fuligem daquela máquina divina que produz o amor e seus derivados. Eu era apenas um menino, cansado de ver o mundo fazer o que quisesse da humanidade, sem resistências, sem obstáculos, que espetáculo triste de se ver. E a vida sempre sendo tão doce quando surgia frágil e desamparada por entre os muros de segurança e antenas da Cidade Sem Sol.
As duas horas da manhã eu soube que a vida passa depressa demais, e que qualquer dia é um bom dia para morrer dependendo do que você faz. Era tão difícil garimpar esses ouros pelos asfaltos gastos e calçadas surradas, poeira esfumaçada, tudo tão estático e automático, desta cidade vampira.
A boca de Isadora tem gosto de verdade e entrega, seus seios eram minha terra prometida, olhos que me aprisionavam num complexo jogo de atenção e entendimento, sexo de paraíso definitivo. Nada neste mundo era mais bonito que seu rosto quando estava gozando.