26.4.07

definitivo

um dia, num buteco de caxias,
no meio de um poema de ricardo reis,
que arranhava na viola,
fiz um resumo crítico de minha vida
e cheguei à conclusão
de que o pesadelo era eu.




adaptado de uma poesia de fausto wolff. em "gaiteiro velho".

22.4.07

não me deixe ir pra longe, onde o meu olhar se esconde.

Como recompensa pelos cigarros de maconha que lhe dei, num ato involuntário de generosidade, Júlio leu-me partes do Livro do Desassossego. Tivesse eu lido isto antes e agora não conseguiria nem escrever uma lista de compras, pois o meu nome, este já não consigo escrever faz tempo. Ah! eu que sempre quis a generosidade das coisas esquecidas me acuso de fascista quando não lembro o nome dos outros. Decidi renunciar do meu.
Foi minha vocação para amenizar dores que me aproximou de Martha e depois de Júlio. Em comum, eles tinham a tendência de incendiar estrelas. Curioso o vício do destino ou a roda do acaso, de repente, estávamos presos no mesmo círculo de giz que não protege, só isola. E a busca por respostas sempre nos levava a mundos distantes, onde os olhares se escondem.

18.4.07

seda

agora que a seda
transformada em trapos
já não me atrapalha movimentos
nem me aperta os sapatos
e que grito agudo
já não encontra eco
misturado à luz de outros
no universo
agora que o vento
me seca as lágrimas
água que é mar no meu corpo
sobra sal
bob dylan
você esta invisível agora, sem segredos
saudade é felicidade abafada, futura
agora que o vento me seca as lágrimas



música de lobão e cazuza. em "canções na noite escura".

pois bem.

comecei sem nem saber por onde. nem me importava. era o que queria pronunciar o nome o que importava. era minha mania imprecisa de amenizar dores o que importava. meu exercício falido de expressão. meus caminhos possíveis ao lado teu. teus abraços e sorrisos de insuspeita ternura. meu potencial de ser feliz.

16.4.07

desvio de rota.

parado no mesmo lugar, admitia a derrota olhando nos olhos do algoz: a vitória possível. ameaças de hecatombe desfigurando a paz mais promissora, riscos calculados e cultivados com afinco. sim, sim, ainda tenho vertigens à beira de meus abismos, ainda vislumbro o pessimismo possível, mas agora já mais sereno. mudança lenta e imperceptível. jardim lento e fulgáz. parado no mesmo lugar, já posso dizer ao horizonte: vamos em frente.
e o mundo, prometendo apocalipses definitivos que nunca aconteciam, ia, de certo modo, encorajando meu desvio de rota.

virada de milênio.

não lembrava muito bem
estava ocupado com o campo onde semeei
meu sonho
pisando vida e morte e calma
ainda indeciso
nada poderia me salvar
era virada de milênio
e recapitulando agora, não lembro muito bem
talvez seja só um eco distante daquele grito que dei
um erro persistir no erro
agora lembro: tudo que fiz de errado eu sabia
mas gostaram daquilo
e me seguraram aqui
agora vejo: talvez nem eu tenha culpa
tudo acaba e começa
só fiquei tonto no meio do caminho
era virada de milênio
e não é culpa minha errar.

13.4.07

it´s the end of the world as we know it

foi o ano 2000
foi o que eu falei
que uma vez juntos tudo seria ok
mas a sombra teimava
havia algo errado
eu como uma pedra jogada num canto
pronunciando meu canto precário
sobrou pouco de mim pra contar a história
sou um canteiro de obras parado por incomodar demais
você pode entender? assim, desta forma?
você nunca entendeu o que não disse
desde lá, do ano 2000, o mundo ia acabar
e eu só queria que eu acabasse
por que você me salvou?

se

se eu fosse um cisne, teria partido.
se eu fosse um trem, estaria atrasado.
e se eu fosse um bom homem
conversaria com você mais frequentemente.
se eu fosse dormir, poderia sonhar.
se eu estivesse com medo, poderia me esconder.
se eu perder a sanidade, por favor, não ponha
seus fios em meu cérebro.
se eu fosse à lua, seria frio.
se eu fosse uma regra, seria burlada.

se eu fosse um bom homem compreenderia
os espaços entre amigos.
se eu estivesse com você estaria em casa e seco.
se eu estivesse sozinho, choraria.
e se eu perdesse a sanidade
você ainda me deixaria participar do jogo?
se eu fosse um cisne, teria partido.
se eu fosse um trem, estaria atrasado outra vez.
se eu fosse um bom homem
conversaria com você mais frequentemente.




letra de "if". do albúm "atom heart mother", ou, o disco da vaquinha. pink floyd.

deixa ser

eu sei, a metáfora é gasta. mas. me sinto como uma represa rachada, que mal contém o fluxo mas também não arrebenta. pra distrair, eu penso ser uma grande bobagem não se poder iniciar uma frase com este pronome. coço os olhos, nem sei se devo continuar. meu amigo fez uma camiseta mas tem receio de usá-la. acho que ele é a única pessoa que poderia. só eu posso dizer o que me faz feliz. bebo mais um pouco mesmo não podendo.
a febre ameaçou uma trégua. bandeira branca abanando num pedestal precário. a pouca experiência diz que é embuste, a vontade de otimismo: deixa ser.
posso dizer que hoje, mesmo tudo dizendo o contrário, estou feliz.

10.4.07

durante um cigarro.

estava escrevendo rápido, me sentia ameaçado. desacostumei-me com dias tranquilos. a ventania queria carregar-me também, não bastava levar tudo. meus cabelos desgrenhados, minha voz embargada, meus olhos cansados: testemunhas perjurando. nem tinha onde me segurar. este porto não é seguro. uma estranha me faz sentir ainda mais pena de mim, que já pago minhas penas. ando sobre cacos de vidro. me fodo todo. mas gosto dos arabescos que a fumaça de meus cigarros formam na ventania. afinal um pouco de poesia que não me destroi.

4.4.07

Manifesto de auto-depreciação III

o muro de pé e eu caido. a visão, opressora, assusta, mas: "sua chance de reconstruir-se". a chance, sim, trabalhemos com possibilidades agora. não, não posso cair na tentação de sistematizar, teorizar, formular teses. merda, está começando de novo. "chance": prenda-se a esta palavra, sim, chance, tem uma chance. a minha chance. esqueça o verbo reconstruir, que é derivado de construir e lembra o muro. lembre-se de chance. não soa muito bem mas lembra chave. nem sei de que tenho chance, nem quero saber, quero esquecer, quero a chance. pego-a pelo braço, forço um beijo, ela cede, tenho sede, quero mais, mais que isso, posiciono-me na sua frente, não deixo escapar, aperto-a, machuco-a, levanto sua saia rápido, sem jeito ou respeito, violentamente, choro, pareço querer voltar de onde vim, não paro nem quando me enojo de mim mesmo, é minha chance, faço o que nem sei se quero, me emporcalho, muito perto da natureza humana, reviro-a, de um lado, de outro, já não resiste, mas ainda está distante, retomo o ritmo, entorno a vida, agora sim ela me marca sem resistir, minhas costas retalhadas, peço para que ponha sal, vinagre, pimenta, qualquer coisa que doa mais do que posso suportar, a responsabilidade é minha, quero isto para sempre, choro como se lembrasse da coisa mais inconsciente da minha primeira meia vida, choro até não ter o que sair, vomito depois, urino e defeco, tudo sai de mim, eu saio de mim, choro como se tivesse visto, enfim, o monstro do armário, que eventualmente se escondia debaixo da cama, era eu que me assustava, o pavor de ser o adulto que me formei, e todos os outros caminhos me foram negados e eis-me aqui, violentando minha (minha) chance por ter chegado tão tarde, AAAAAHHHHHH, me engasgo com meu grito, com meu vômito, lágrimas, mijo, merda e todo o resto, sangue ainda não, até por que não mais, estou exangue, não tenho uma gota, escorreu tudo pelos pulsos, encheu meu banheiro, sujou meus tornozelos e depois, cansaço imenso, minha bunda, costas, cabeça, braços, tudo... consciente... inconsciente.
chance, sim, não esqueça dela. tá na hora d'ela ter mais, não igual, pior,
post de 2-11-06

3.4.07

Manifesto de auto-depreciação II

quem estava alí, desmoronando, agora, era eu. "sua chance de reconstruir-se", a única coisa que ouvi. meia vida depois percebi: esta foi a única coisa que ouvi. estivera surdo? louco? não é posível esta ser a única coisa que ouvi em meia vida. me achava tão esperto, tão ingênuo. tudo apagado. agora: "sua chance de reconstruir-se". lembraria disto, sem dúvida, mas, e de todo o resto? as sensações até ficavam, rostos, até momentos, alguns. palavras, nenhuma. nem uma. sei que tinha um livro, uma tese e que, ah sim, vozes. ouvia vozes e fazia teses, era isso. era isso que eu era, uma sobra de pensamentos. obscureceram-me, deixei que isto acontecesse. como alguém poderia entender? e era exatamente isso que mais doia: ninguém, e se eu escrevesse ninguém seis bilhões de vezes estaria sendo exato, entendia.


post de 1-11-06

2.4.07

Manifesto de auto-depreciação I

havia demorado meia vida construindo aquele muro de contenção. conter a natureza humana transbordante. meia vida envolto a cálculos, réguas, trenas e materiais de toda espécie. meia vida entregue a uma tarefa extenuante, suor e lágrimas, sacrifícios de toda espécie. destruindo todo o resto em volta pela obsessiva vontade de pôr fim à empreitada. meia vida. sobrou muito pouco de tudo. sobrou muito pouco. aqueles anos dedicados aos estudos: peso morto. os dois únicos relacionamentos que tive agora me machucam os pés quando ando sobre suas ruinas. nem rancor sobrou e isto incomoda. a matéria orgânica putrefada daquele muro coloriu-se com a resignação. forte o muro. a maré irrompe violentamente toda noite contra ele e eu, estagnado, não sei por quem torcer. a corda esticada um dia arrebenta e, segundo dizem, no lado mais fraco. a natureza humana transbordante não dá treguas, os armitícios são sempre fictícios, são sempre um embuste, sempre uma armadilha, uma arma.

post de 1-11-06